sábado, 9 de janeiro de 2010

DIÁRIO I

Saí de casa, bem cedinho, com um caderninho e uma esferográfica na mão. Caminhava indiferente ao tempo chuvoso, enquanto ia cantarolando qualquer coisa imperceptível para enganar todos os pensamentos que me aprisionavam. Entrei num café, sentei-me numa mesa junto da janela e pedi um garrafa de água natural e sem gás. Assim que a depositaram na mesa, bebi uns quantos goles e, depois, abri o caderninho e de esferográfica em punho, fui escrevendo ao acaso uma cachoeira de palavras até que me cansei. Fechei o caderninho, cruzei os braços sobre o peito e fechei os olhos, fingindo que dormitava. Desconheço o tempo que passou até reabrir o caderninho e tentar descobrir no emaranhado de palavras um sentido qualquer. Pareciam palavras isentas de honestidade, aprendidas com quem se disfarça com a falsa honestidade para delas fazer um rodeo de segredos e mentiras que rimam com as deontologias da ilusão. Tentei fazer com elas um alfabeto e desenhar no meu pensamento uma luz clara que a todos iluminasse o caminho da verdade, mas foi inútil, foi uma leitura que me deu trés arbeit e resultados nenhuns. Quanto mais olhava para as palavras, mais poeira lançava para o interior de mim mesmo. Não que eu seja cego, mas quando se integra os mistérios e os sons de uma floresta, é quase certo que rebenta uma disfunção cerebral qualquer que não nos permite celebrar palavras que se riem de mim com as grossas gargalhadas dos pavões com os leques abertos das cores que ficam óptimas em qualquer passerelle, onde os supra sumos da sapiência ditam as palavras das insuficiências cardíacas. As palavras escritas não se resumiam de maneira nenhuma, não explodiam em ideias, foram o reflexo de um dia chuvoso.
Paguei a água, levantei-me e abandonei o café, gastando o resto do dia em passeios ao acaso. Usei-os como um subterfúgio para me esconder de mim próprio. Era noite quando regressei a casa, onde, com um pouco de música, adormeci, rastejando pelo mundo envidraçado dos sonhos. E, assim, se passou mais um dia na vida de quem sabe que a vida é um mero segundo de palavras abertas e desertas.


Biblioteca de Oeiras, 09/01/2010 - Jorge Brasil Mesquita - 15H01

Sem comentários:

Enviar um comentário